sexta-feira, 14 de julho de 2017

Conversando com Paulo Coelho

- Morro de saudades.
- De quê?
- De não estar apaixonado. Saudades de pensar racionalmente.
- Se apaixonar é bom. Se desapaixonar é melhor.



- Mas você desapaixona rápido, você sabe.
- Eu? Eu não desapaixonei quase nunca. Só quando fizeram merda comigo.
- Você se apaixonou por outras.
- Talvez... mas olhando para trás, com os olhos que eu tenho agora, eu percebo que não estava realmente apaixonado. Não estava disposto a me modificar por causa delas, nem a alterar (ou construir) planos, nem a sair muito da minha rotina por causa delas.



- E com ela? Vai rolar?
- Rolar o quê? Tá rolando.
- Tá? Compromisso?
- Como assim? Quando é que uma relação é um compromisso?
- Ué, do jeito que você achar que seja uma relação. Quando você deixa de fazer só por si e faz pelo outro também. Quando a pessoa se compromete.
- Mas é isso que eu estou perguntando: No que consiste 'se comprometer'. Qual o nível de esforço e altruísmo necessários para que a relação seja qualificada como 'compromisso'? Porque eu posso ter tido isso com alguém e não ter sabido. Ou pior, ter feito alguém se sentir assim comigo e não perceber.
- Não existe manual nem marca específica de comprometimento. Você apenas sabe.
- Mas isso não tem o menor sentido. Isso é crença, não relacionamento. Veja que não estou perguntando sobre sentimento. Eu admito que sentimento seja algo totalmente subjetivo. Mas estou perguntando de compromisso.
- Compromisso também é subjetivo. Raciocina um pouco.
- É esse o problema. Eu odeio estar apaixonado precisamente porque não dá pra raciocinar direito. Por isso pulei fora dos meus relacionamentos. Porque notei que estava ficando desorientado



- Minha crise é essa. Agora mesmo eu tenho notado essa desorientação. Estou percebendo que minha intuição tem falhado, e minha intuição funciona muitíssimo bem. Eu não quero pular fora. Pelo contrário, eu quero enfrentar essa desorientação e ir além.
- Geralmente quando um relacionamento começa ele costuma vir com atestado de compromisso em três vias, lavrado em cartório com duas testemunhas.
- Eu entendi a ironia, mas preciso que você me escute sem esses julgamentos. Você já me conhece, mas eu preciso que você me ouça como se não me conhecesse.
- Ok.
- Ótimo



- Eu entendo que não existem garantias, mas meu problema ronda aí: Eu disse que confio na minha intuição, no meu julgamento e, estando apaixonado, eu sinto que eles estão descalibrados. Melhor, me corrijo: descalibrados não, mas eles são afetados pela racionalidade do meu cérebro. Me explico: é como se minha intuição fosse uma bússola e meu cérebro fosse um ímã próximo, influenciando a agulha. Então pergunto: como vou me jogar numa relação, baseado no meu instinto, no que eu sinto, se eu acho que ele está sendo influenciado? Essa influência do meu cérebro é real? Ele está tentando me sabotar? Tentando me fazer enxergar os perigos de se viver somente pela bússola? Mas a bússola  tem funcionado perfeitamente todos esses anos. É como se o ímã, quando estou apaixonado, exercesse uma força muito maior do que antes. 



- Acho que temos um paradoxo, então. Se você me diz que estar apaixonado lhe tira essa intuição, e você não quer se relacionar porque você não está com a intuição em perfeito estado, então você só pode se relacionar com alguém pela qual você não esteja apaixonado.
- Mas é isso. Quando eu percebo essa influência, essa desorientação, eu pulo fora. E eu quero enfrentar essa desorientação, ou seja, eu quero confiar mais na minha intuição e me jogar.
- Então... se a sua intuição está afetada, confie no seu sentimento. Se você está sentindo vontade de começar alguma coisa, de fortalecer uma relação, um laço, então faça. Eu não sei porque você complica tanto isso, como se devêssemos ter um certificado da intuição. É só sentir, só viver. Se não der certo, pronto, vai acabar. Cada um pro seu lado, como acontece com todo mundo.
- Quer dizer que é unilateral assim? ''Estou apaixonado, foda-se'' e esperar pelo melhor? Que a outra pessoa também se sinta assim? Quero dizer... você demonstra como se sente e espera que a outra pessoa corresponda? Porque confesso, até hoje nunca me preocupei com isso. Comigo sempre foi 'Eu quero ficar com você, se você não quer, pra mim tanto faz''.
- Um compromisso surge disso, do diálogo. Os acertos, a postura de cada um, os detalhes do cotidiano. Carinho, altruísmo, convivência. Deixar um pouco de lado o que você quer para atender a necessidade do outro; isso é compromisso. É uma descoberta que acontece aos poucos. Se você diz para outra pessoa o que sente e aquilo é mútuo, isso vai acontecendo naturalmente. Não precisa necessariamente de um contrato ou de uma lista de exigências. Obviamente, cada um tem seu próprio tipo de relacionamento, mas a base de um compromisso é sempre o carinho, o altruísmo e o desejo de ver o outro bem.
- Mas isso me preocupa: mutualidade, reciprocidade. Como eu sei que aquilo que eu estou vendo, partindo da outra pessoa em direção a mim, é real? Como eu sei que não é uma ilusão?
- Perguntando o que a outra pessoa sente, oras.
- Todo mundo mente.
- Aí está o abismo.



''É onde você se joga.''



''Sem garantias.''



- É sério isso? Parece algo que você diria para os seus filhos sobre como os bebês nascem. Não tem lógica.
- Você tem medo. Muito medo. E você culpa a racionalidade. Ou chama os outros de irracionais.
- Eu chamo de sentido de autopreservação.



- Me acompanhe na minha analogia: Alguém diz, em frente a um penhasco, ''Pule, cara''. Você está tentando me dizer que se ele não pular, ele é covarde?
- Tem paraquedas.
- Que paraquedas? Quem me deu paraquedas? Ninguém me deu paraquedas nenhum. Só estão dizendo que eu deveria pular e foda-se. Pelo menos foi o que eu aprendi do mundo até agora.
- O paraquedas é a reciprocidade.
- Então vamos melhorar a analogia:


Alguém vem e me dá um paraquedas. Me garante que ele vai abrir e que eu vou aterrisar em segurança. Depois me olha e diz: Agora pode pular.


- É a única maneira de pular, na minha cabeça. Isso sim tem lógica.
- Então não pule. Não ame. Passe a vida sem saber o que é compartilhar. Sem aprender a aceitar a outra pessoa e lidar com os problemas. Sem saber o que é deixar um pouco de si para o outro, simplesmente porque não tem garantias.
- Se eu usar o que você está dizendo para construir outra analogia, ficaria da seguinte forma.


''Pule sem paraquedas mesmo, você não vai virar pizza lá embaixo.''
''Como não?''
''Acredite, não vai.''
''Por que não?''
''Não tem como saber. Você tem que acreditar que não vai virar pizza lá embaixo e arriscar''.


- Mas ninguém disse que você não vai bater no chão.
- Ok, então ficaria assim:


''Vai. Pula sem paraquedas.''
''Mas se eu pular sem paraquedas eu me espatifo lá embaixo.''
''Ou não.''
''Como assim?''
''É isso mesmo... por algum motivo que ninguém consegue explicar, há a possibilidade de você aterrissar inteiro.''



- A questão não é a aterrisagem. É o salto. A experiência do saltar. O que você vai ver lá de cima. A sensação. Se vai se espatifar ou descer de paraquedas, isso não se sabe.
- Peraí. Você está me dizendo então que é como um Salto de Schrodinger: Pule. Você não tem 100% de garantias de que vai bater no chão, nem 100% de garantias de que não vai. Eu estou tentando achar uma analogia que explique isso. Porque, nesse cenário do salto, a gravidade não é a única lei que influencia. Porque não é um cenário real e, por isso, as leis da física não se aplicam. Afinal, se eu subir na Pedra da Gávea e pular de lá sem paraquedas, eu me arrebento no chão.
- Amar é um pulo no abismo. Isso é só medo. Porque amar machuca, doí. A gente cria expectativa e isso é normal, como tudo. Você quer analogias porque quer complicar. Você quer complicar algo que não é complicado, é simples. Você pode se machucar e você vai, algumas vezes. Mas pode ser também um simples espinho numa jornada de flores muito maior. Algumas pessoas infelizmente encontram somente espinhos. Quando você perceber que não está funcionando, acaba. Pronto. É uma experiência.



- Certo. Valeu, falou. Forte abraço.





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