sábado, 22 de julho de 2017

Primeiro de Julho

Eu sei e não tem quem me tire essa certeza: me fodi. Você vai vir derrubando todas as barreiras que eu tanto lutei pra levantar. Tudo quanto é muro, ponte, armadilha, poço e fortaleza que eu tão incansavelmente construí ao redor, em cima e dentro do meu coração. Você vai atravessar tudo isso como se nem existisse; como se tudo o que você visse fosse simplesmente uma cabana no meio de uma clareira e não um castelo com dez anos de segredos, ideias, convicções e evasivas plenas. Você não vê nada disso: você vê, com essa sua simplicidade filha da puta e essa certeza no querer, apenas um casebre caindo aos pedaços, triste como um domingo nublado. Um casebre mal feito, minúsculo, abandonado no meio do mato. Não um casebre bucólico com um riachinho, um cajueiro e um flamboyant fazendo a sombra na rede. Não. Eu sou uma torre de pedra, monumental e inatingível e você me vê barraco, precisando de uma ou duas demãos de tinta, uma varrida e um pote de flores na janela. E você se aproxima como quem não quer nada, na inocência tão madura que você vem trazendo. Como se você estivesse somente vindo pedir um copo de água. Você vai me pedir um copo de água e eu vou querer lhe dar a chave do meu castelo, da minha torre inalcançável. Nunca antes alguém teve esse chave, sabe por quê? Porque não tinha nem porta. Talvez tenha havido, um dia. Já não me lembro. Eu vejo vir, vindo no vento, o cheiro da nova estação. Mas a merda é que eu não queria que você soubesse disso. Não queria estar nessa posição. Nunca estive. Eu quem abro as portas, eu quem detenho as chaves. Eu entro nas casas e saio quando quero. E sabe por que não quero deixar você entrar? Porque você vai fazer, comigo, a mesma coisa que eu fiz, com outras. Eu sei como é fazer o que você é. Sei como fazer quem você é. Já estive aí, ja fui isso, já fiz assim. Você vai entrar, deitar na cama, tirar um cochilo e, no fim da tarde, vai pedir licença e sair, tão linda quanto entrou.

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