segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Extraño

eu canto um samba e maria vem de volta

Ah, te extraño, Maria!
por depois da curva
sempre eu me deparo com a chuva
tão fina que não cessa
começa a molhar a promessa
de um começo, onde começa
a saudade

Ah, que vontade, Maria!
das tuas pernas bonitas
atreladas aos quadris teus
e aos meus, por que não?
por que não sentir essa coisa
chamada de coisa
porque não se sabe o que é
ainda

Ah, tuas costas, Maria!
perdição das espáduas
omoplatas de linhas sutis
por um triz, não me vi
refletido na cor
dos teus ombros
refletidos no vão
do meu peito

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Diálogo de amores

"Se amar bastasse, as coisas seriam simples. Quanto mais se ama, mais se consolida o absurdo. Don Juan não vai de mulher em mulher por falta de amor. É ridículo representá-lo como um iluminado em busca do amor total. Mas é justamente porque as ama com idêntico arroubo, e sempre com todo o seu ser, que precisa repetir essa doação e esse aprofundamento. Por isso, cada uma delas espera lhe oferecer o que ninguém nunca lhe deu. Em todas as vezes elas se enganam profundamente e só conseguem fazê-lo sentir necessidade dessa repetição. 'Por fim', exclama uma delas, 'te dei o amor.' Não surpreende que Don Juan ria dela: 'Por fim? Não' - diz ele - , 'outra vez.' Porque seria preciso amar raramente para amar muito?'"

"Não há amor generoso senão aquele que se sabe ao mesmo tempo passageiro e singular."

(Albert Camus)

"Com ela aprendeu Florentino Ariza o que já padecera muitas vezes sem saber: pode-se estar apaixonado por várias pessoas ao mesmo tempo, por todas com a mesma dor, sem trair nenhuma. Solitário entre a multidão do cais, dissera a si mesmo com um toque de raiva: 'O coração tem mais quartos que uma pensão de putas.'"

(Gabriel García Marquéz)

"Afirmava a suas amantes: só uma relação isenta de sentimentalismo, em que nenhum dos parceiros se arrogue direitos sobre a vida e a liberdade do outro, pode trazer felicidade para ambos."

(Milan Kundera)

E então?

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

As partes de Marília

Amor pra torar na emenda





- Você não pode ser minha Ana. Você não se pintou. Ou pintou?
- Não... Não que me recorde... não que não fosse carnaval, não que eu já fosse adulta... não que eu não estivesse numa colônia de férias.
- Ou estivesse apaixonada e tatuasse o nome do namorado nas costas.
- Sim, sim! Aliás, que brega! Nunca faria isso. Você faria?
- Jamais! Eu gosto é de mulher.
- Não! Tatuar o nome de uma mulher!
- Ah! Bom... não. Não porque seria brega ou não, mas sim pelo símbolo da eternidade. Não me agrada.





- Você não quer um "amor eterno?
- Eu quero vários...
- Um, Mauricio, só um!
- Por que só um?
- Por que vários?
- Deixe-me ver como explicar...





- Sabe, eu creio que depois de algum tempo , o que era amor se torna algo diferente, uma espécie de amizade. Acho que o começo de uma relação é linda; toda sua beleza e intensidade. Não tenho interesse em transformar toda essa paixão inicial, numa relação de compreensão, de afeição, de amizade, enfim.
- Por quê?
- Porque eu gosto da paixão, do tesão, da loucura do início, e eu acho que mesmo com a idade avançada, isso é possível. Mas acredito que posso mudar de idéia depois e querer um amor pra vida toda... Mas, por ora, amar várias mulheres com a intensidade de sempre me parece mais interessante.





- Você acha que dar certo significa tempo de duração?
- Eu achava até você me perguntar isso.
- Estar com alguém, e não precisar de outra, me parece muito limitador... minha vida é muito mais do que a procura de um amor eterno. É, sim, a procura de amor, que eu posso encontrar em várias mulheres, e elas sempre terem sido meus grandes amores. Por que você achava... não acha mais?
- Porque eu acho que tempo de duração tem uma pequena relação com dar certo... meus relacionamentos não deram certo. Dar certo, para mim, é demorar... amar demorado.
- Mas essa crença você aprendeu a ter. Se eu perguntar o porquê você vai saber responder?
- Não. Mas por que acabar se está dando certo? Só acaba quando não se ama mais, ou seja, quando não dá certo.
- Sinceramente, Marília, eu acho que o não acabar é muito mais comodismo que falta de amor.
- Você pensa torto. Ou será que eu que penso torto? Eu não me acomodo, sempre acabei namoros (acho terrível) (dói de morrer) (mas, para mim, vale mais a dor de acabar do que o comodismo de viver).
- Eu admiro você, mas o que eu quero dizer é que, ao invés de se preocupar em viver aquele relacionamento do jeito que ele nos aparece, se costuma entrar numa relação olhando para a linha de chegada, olhando para o até que a morte nos separe. Por isso, a crença de que se acabou é porque não deu certo. Porque o fim é a morte, e não a vida. Eu acredito que o fim de cada relacionamento está nele mesmo, e não na minha idealização de futuro ou de amor, e que cada mulher que eu conheci me trouxe uma liberdade, um aprendizado, uma lembrança. Algumas deixaram marcas mais fortes, outras nem tanto.





- E o seu amor, como anda?
- Meu namorado? Foi um breve affair...
- Breve affair! Como você está se sentindo?
- Aliviada, com uma mistura de pena dele e de raiva de mim, por ter iniciado algo que eu sabia que daria errado.
- E o que fez você começar?
- Carência? Não sei sabia... Talvez um desejo profundo de ter alguém pra valer, amar demorado. Criancisse?
- Não, não é. Mas você não sabe o que é amar demorado, como pode querer? Acho que o que você quer é intensidade
- Sim, por favor, intensidade!
- Desejo, loucura, amor pra torar na emenda.
- Claro! Quero amar, Maurício! Lógico!
- Isso, definitivamente, não tem nada a ver com tempo.





- Amar pra torar na emenda. Por que é tão difícil?
- Quem disse que é?
- A vivência.
- Mas você nem terminou de crescer ainda.
- Porra, mas todo mundo já conhece amor pra torar na emenda. Eu não, mesmo faltando muito pra crescer. Eu quero o amor que ninguém tem, o amor que eu experimente e que ame pra torar. Amor, porra, você não sabe o que caralho é amor?





- Eu não faço idéia.
- Como assim? Você mentiu pra mim?
- Por que?
- Porque você é poeta, caramba. Porque você fala de amor. Quando você fala de Ana, você fala de amor. Ou não? Você é um solitário, certo? É, você é sozinho. Você nunca teve amor por uma mulher. O amor que você tem é pela vida... é diferente.
- As mulheres da minha poesia tem muito mais que amor. Amor nunca foi um fim para mim, por isso estou perguntando a você.
- Não sei o que é amor. Só queria conhecer.
- É isso que estou tentando lhe dizer. O amor não está lá, esperando para que você o atinja. Ele está em você, Marília; é você quem faz uma relação ter amor ou não.





- Eu nunca esperei que as pessoas me entendessem, mas desde que eu lhe conheci, você é a única pessoa que eu gostaria que entendesse o que eu digo.
- Às vezes entendo, noutras não... Eu insisto muito em lhe entender. Com você, eu quero a todo custo entender. Mas depois de entender não importa. Sabe como é? Com você eu sinto. É melhor. Eu entendo mais com você, sentindo, entende?
- Você tenta me decifrar, é diferente.
- Não... eu quero entender também. Mas entender e lhe decifrar às vezes perde a graça. Aí eu sinto; só sinto. Por isso você sempre é bonito pra mim, porque eu respeito o meu não entender por você.





- Adoro quando você mente com graça.
- Você acha que eu minto agora? É, é mentira, sabe... mas é sincera.





(Marília é Maurício em poesia. E cada segredo que o medo da descoberta possa vir a trazer, é uma nova tentativa de se fazer entendimento. Auto-entedimento)