domingo, 22 de janeiro de 2012

Conversando com Belchior, como nossos pais faziam

- ....E o que você precisa é de um homem que faça tudo por você. Alguém que demonstre de todos as formas-clichês possíveis, que está apaixonado por você. Mesmo que seja uma mentira. Mas, é assim, você precisa da mentira. Precisa, de mentira, se apaixonar por um homem igual a tantos outros; um estereótipo de homem-ideal, ainda que não seja o que você quer. Porque você se acostumou a precisar de tudo o que lhe disseram que é necessário. Lhe ensinaram que você precisa daquele curso universitário, de um concurso público, de um marido pós-noivado pós-namoro. Lhe jogaram no carrossel do destino e disseram: quem controla somos nós. É assim e será pra sempre. Você vai conseguir um ótimo cargo, com um salário equivalente. Não importa qual. Afinal, depois de tanto tempo tentando, o que vier é lucro. Idem para o seu futuro-marido. E a sua futura-casa.
Mas você não é assim. E por isso é uma pena.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Beleza corporativa

As pernas estão cruzadas em direção ao lado esquerdo; subindo sinuosamente, encontra-se o quadril largo, calmo, mas decisivo. Uma bolsa ao colo, as mãos e suas unhas perfeitamente pintadas, um dispositivo com um fio, levando diretamente ao seu ouvido. E vejo o rosto. Sensato, formal, rígido mas suave. Como se estivesse pronto a desabrochar num sorriso automático acompanhado de um "bom dia senhor". Lábios vermelhos, maquiagem levemente excessiva. Beleza corporativa, Fucking John diria. Algo como um padrão de beleza que as comissárias, recepcionistas, atendentes em geral tem. Uma beleza corporativa.
Me pergunto o que estará escutando.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Samba na ponta da língua

- Sabe quando uma mulher fode bem?

- Quando?

- Quando ela samba na ponta dos pés.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O homem-conformado

Olhando para trás, para os últimos 5 anos, só existe um único arrependimento. E você sabe bem qualé.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Gainsbourg

Hoje, pouco mais de três anos depois, eu escrevo estas linhas imaginando que você está do meu lado. Não, sem romantismo. Imagino que você esteja realmente do meu lado, me olhando enquanto escrevo. Para mim, é um exercício de satisfação, uma massagem no ego. Para você, uma espécie de gozo. Você vai lendo enquanto escrevo, e eu vou escrevendo enquanto você pensa. Nas pausas dos pontos, nas curvas das vírgulas, você me lê: meu rosto; me vê bailando os dedos sobre as teclas, na dúvida de uma letra; nos erros de um final de palavra. Me vê lambendo os lábios ao sentir uma nova ideia e, quando eu consigo escrevê-la, você entende que também pensou a mesma coisa, e entende porque apressei o ritmo da digitação. Você está aqui do meu lado. Agora romanticamente, porque você está nua, com um lençol lhe cobrindo meio-corpo. Os cabelos, assanhados, lhe emolduram o rosto cansado. Você andou lutando esses três anos. Lutando para encontrar o que procurava. Lutou tanto que acabou encontrando. Mas, ao encontrar, percebeu que não queria ter. Ou ainda, percebeu que estava equivocada ao querer aquilo. E voltou a lutar. Agora, não para encontrar, mas para saber pelo que lutar. O caso é que o que você quer, você já tem, mas em outro corpo. É, eu sei, não se engane. Sei muito bem que o que você precisa está em mim e, se dependesse de você, estaria em outro corpo.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Cena de um domingo à noite: soledad


"Eu não conseguia dormir porque a parede se mexia. Se movia de forma compassada, ao som dos gemidos do outro lado. Ia e vinha, às vezes mais rápido, às vezes mais devagar. Nem sempre constante, ao contrário dos murmúrios. Ocasionais gargalhadas. Era clara a intenção dos dois corpos em ocuparem um mesmo lugar no espaço. E eu, no meu domingo à noite, não conseguia desgrudar minha cabeça da parede tentando, desesperadamente, sentir uma parcela daquele gozo."

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Ci vediamo

Conhecer alguém. Assim como se fosse um escritor e criasse um personagem, saber cada peculiaridade das suas ações e, principalmente, das reações. E, no caso de não ser um escritor, ser o oposto, o leitor. Conhecer alguém como se lesse uma personagem. Saber não qual a cor favorita, mas por que é a cor favorita. As respostas mentem, o corpo não. Conhecer alguém é ler alguém. Os dois caminhos da expressão, no diálogo: corpo e voz. Dizer e fazer. E o que ela diz quando deita no meu ombro? Como uma câmera em close, eu percorro sua pele, a partir dos pés. E, enquanto ela despeja as razões, eu sinto, através da pele, as mentiras.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Mihaela

Eu queria conhecê-la melhor. Não, me corrijo: Eu queria passar mais tempo com ela, para conhecer as peculiaridades do seu corpo. Saber se cheira a manhã fresca, a perfume suave; lavanda. Ou se cheira a calor, a uma pele recém suada, com traços de pós-coito: cheiro de mulher, de fêmea ativa. Como é o seu quadril quando anda, quando senta; quando cruza as pernas, se as cruza. Se anda com os cabelos na ponta dos dedos, quando pensa. Não; Ela é das que pensam diretamente, sem volteios. Com os pés no chão e os braços cruzados. Deve olhar fixamente também, com esse olhar europeu de animal atento, mas sem demonstrar atenção, e sim falso desinteresse. Só uma mulher queimada nas fogueiras durante séculos para olhar assim. Pálpebras semi abaixadas. Os olhos de uma mulher que não denunciam, pelo contrário: que escondem. Não existem brechas para interpretação, numa mulher assim. Olha diretamente nos seus olhos, enquanto escuta suas lamúrias e não fica alternando os olhares rapidamente, passeando pelo seu rosto. O tipo de mulher cujas expressões faciais dizem "eu sei o que você disse, o que está dizendo e, não se preocupe, já sei o que vai dizer". O tipo de mulher que não precisa do bote veloz, porque mata lenta, suave e definitivamente, sem fazer esforço. De fato, os únicos músculos que deve mover são os do coração, para bombear esse sangue gelado milenar, sem uma batida a mais. Nem a menos.

































Mas existe uma saída. Ou ainda, uma entrada. E é através do corpo.