domingo, 20 de janeiro de 2008

Alaridos de além-túmulo

Lutou por anos a fio, quando lhe chegou a velhice, contra as ferrugens nos cotovelos, nos joelhos e nos ombros; nas dobradiças dos dedos foi onde sentiu mais o golpe dos anos. Continuava lembrando-se das exigências naturais que o seu corpo fazia, apenas para a tarefa simples de levar um punhado de arroz à boca: os dedos já não obedeciam, e grunhiam a cada milímetro do esforço e as mãos, descarnadas, não eram mais do que um acumulado de tendões oxidados e ossos empoeirados em carne viva.
Bastou-lhe morrer para perceber, com satisfação ingrata, que as as dores das dobras não desapareciam e pior, os sons que os ossos faziam ao rasparem uns nos outros, eram agora tão intensos, que enlouqueciam os vivos e despertavam outros mortos, que padeciam de uma tranquilidade sacra, enterrados nas lápides vizinhas. Como se não lhe bastasse agora arrancar tufos de cabelos para improvisar tampões nos ouvidos, evitava ao máximo mover a sua carcaça, mesmo que alguns milímetros, para não sentir arrepiando os parcos pêlos da nuca enegrecida. Temia os arredores, pois não sabia se era apenas sua a certeza de que não se morre depois que se morre e mais: percebeu que o que ele temia não era o ruído dos ossos, o carcomer dos insetos, o rastejar dos vermes, o odor das carnes, ou o bolor do ataúde lacrado. Era, sim, o pavor da eternidade.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Monólogo de Isabel vendo chover em Macondo

"El martes amaneció una vaca en el jardín. Parecía un promontorio de arcilla en su inmovilidad dura y rebelde, hundidas las pezuñas en el barro y la cabeza doblegada. Durante la mañana los guajiros trataron de ahuyentarla con palos y ladrillos, Pero la vaca permaneció imperturbable en el jardín, dura, inviolables, todavía las pezuñas hundidas en el barro y la enorme cabeza humillada por la lluvia. Los guajiros la acostaron hasta cuando la paciente tolerancia de mi padre vino en defensa suya: "Déjenla tranquila —dijo—. Ella se irá como vino".




Olhos de cão azul

"Então olhou para mim. Pensava que olhava para mim pela primeira vez. Mas então, quando se virou por trás do abajur, e eu continuava sentindo sobre o ombro, nas minhas costas, seu escorregadio e oleoso olhar, compreendi que era eu quem a olhava pela primeira vez."




23 anos de solidão

"José Arcadio Buendía não soube em que momento, nem em virtude de que forças adversas, seus planos se foram emaranhando numa teia de pretextos, contratempos e evasivas, até se transformarem em pura e simples ilusão."




Eloísa Amaranta

"Quanto mais, porém, pisoteava a sua imagem na estrumeira da guerra, mais a guerra se parecia com Amaranta."




Mauricio Babilonia

"Naquela noite, a guarda abateu Maurício quando ele levantava uma das telhas do banheiro, onde Meme o aguardava, nua e tremendo de amor, entre os escorpiões e as borboletas, como havia feito quase todas as noites daqueles últimos meses. Um projétil incrustado na coluna vertebral reduziu-o à cama pelo resto da vida. Morreu de velho na solidão, sem um protesto, sem uma queixa, sem uma só tentaviva de deslealdade, atormentado pelas lembranças e pela presença das borboletas amarelas, que não lhe concederam um instante de paz, e publicamente repudiado como um ladrão de galinhas."




Porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda chance sobre a terra

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O amor nos tempos da febre amarela

( )

o que eu quero não são brisas
nem os ramos que brotam da tua cabeça
eu não quero, absolutamente
as batidas do teu coração
do teu peito, me bastam
os seios

eu não quero o teu perfume
ou o cheiro da tua felicidade
eu quero, pra lhe ser sincero
o olor das tuas flores
a fragrância dos teus pêlos

não me importam as tuas maneiras
eu só quero teus trejeitos
de vez em vez
do conhecer por inteiro
não quero senão o seu corpo

onde eu sou gozo, você
é paixão, e isso
meu amor
eu não quero

tuas entrecoxas é que me
atraem
não tua idiossincracia velada

ps:
eu digo, morena
se for preciso ouvir
da sua boca mais que um 'ah'
então, por favor
fale rápido
mas não esqueça de gozar





Eu sou vacinado.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Assim como o poeta só é grande se sofrer

Samba-tomorrow/Lígia

a gente precisa é escapar
da gente

Lígia
quem sabe na distância
se esconda a esperança
do caso em que estamos agora
essa hora

Lígia
até mais tarde, bem tarde

vai, que eu vou
embora
vai, que eu vou
embora

Lígia
esquece que a gente viveu
esquece o que a gente perdeu
esquece o que aconteceu

e lembra, Lígia
a gente se ama
a gente se ama
a gente se ama
a gente se amanhã