segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Quais são as cores e as coisas pra te prender?

Constatação número 3
Eu sou uma

f.r.a.u.d.e.




Amor

Que, para mim, vale tanto quanto para Florentino Ariza, que anotou cuidadosamente seus seiscentos e cinquenta e dois casos amorosos num caderno, e nunca entrou pela porta da frente; tanto quanto para o Professor, que nunca deixou de pagar por uma ou mais noites de amor; ou talvez para meu mim mesmo, que foi capaz de levar um balaço na espinha por uma noite de amor, que reverberou para sempre até o fim dos dias numa cadeira de rodas.




Junho

O frio, talvez. Um novo começo, e começar de novo me faz tão bem quanto deixar para trás o que definitivamente já terminou; e talvez até o que também nem começou, por quê não?




Imagin-ação
"Você tão linda, mas tua beleza também pode se enganar".

E ela estava linda como eu supus que fosse estar. Cheirava a uns tantos de perfumes indecifráveis da noite, do jardim de quando a gente passa na rua e não identifica onde se cheira tão bem. E éramos nós dois peças desencaixadas num tabuleiro errado; fora de contexto. Nosso ao redor devia ter sido outro. Meu eu para você deveria ter sido outro, e eu não culpo ninguém. Mas eu sou uma fraude. E desafinei. Só que você com sua música esqueceu do principal: que no peito dos desafinados, no fundo do peito, também bate calado um coração.




Agenor

"Eu queria ver no escuro do mundo
Onde está tudo que você quer
Pra me transformar no que te agrada."




Não.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Algures

Constatação número 1

morrer me é inviável,
inevitável; e tanto que seja,
morrer me é imaginável.




Domingo

Não depende da segunda para ser o que é. De fato, o domingo é o que parece não porque antecipa-se à segunda - que, para mim, é o melhor dia da semana, e é contraditoriamente o retorno, a volta à vida, o renascer - e sim porque, por definição, este dia se faz o primeiro da semana. Paradoxalmente, o domingo é dedicado ao deus-sol, sendo ele o começo da semana, e não a segunda. Pois bem, o último dia então é o sábado, o sabbath, o dia do descanso. Cristianamente falando, Deus começou a erguer seu reino de carbono em um domingo, e descansou no sábado.
E por que o primeiro dia da semana parece o último? Sei não.




Morte

Que, para mim, é como antes de nascer: um nada.




Metal, silício e 1/4 de alma.

Foi uma máquina que me fez duvidar das minhas não-crenças - ou a crença em coisa alguma. Uma ameça, dessas que a gente faz a uma criança para amenizar as correrias por entre os móveis, e o barulho enquanto a gente quer assistir o jogo, foi o suficiente para startear o emaranhado de conexões e fios temperamentais. Amém.




Mutação

Ah, eu vou é embora pra América, ganhar a vida cantando mambo.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

proesiafogaréusdelíngua[s]


quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Por que você não vê que a natureza tem os meios dela para me alertar?

"Se alguma vez nos encontrarmos, ponha o ouvido em minhas costelas, quando eu dormir sobre o lado esquerdo, e me ouvirá ressonar. Sempre desejei que você fizesse isso alguma vez."




Poema-presente.
Para Eloísa, que se faz ausente.

Assim nada deve restar, e são somente as
Límpidas, intactas, guardadas, imaculadas
Águas

Que hão de um dia jorrar dos teus cabelos
Para além dos meus segredos.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

No nascer dos arrebóis, ainda ouço a tua voz.

"'Eu sou a que chega aos seus sonhos todas as noites e lhe diz isto: Olhos de cão azul.' E disse que ia aos restaurantes e dizia a todos os garçons, antes de fazer o pedido: Olhos de cão azul. Mas os garçons faziam uma respeitosa reverência, sem que recordassem nunca haver dito isso em seus sonhos. Depois escrevia nos guardanapos e riscava com a faca o verniz das mesas. Olhos de cão azul. E nos espelhos embaciados dos hóteis, da estações, de todos os edifícios públicos, escrevia com o indicador. Olhos de cão azul."




A silhueta da moça se projetava sobre a tela branca, alva e límpida. Os cabelos a meia altura entre as orelhas e a omoplata se faziam ondulados, negros como todo o restante de sua figura estampada no pano. Devíamos estar em julho, e a umidade no ar se fazia presente, era bom. Ou talvez o ar ali dentro estivesse mais denso do que eu poderia imaginar. As luzes, baixas, decoradas ao estilo vitoriano, imitação de candelabros, acompanhavam a quantidade de fileiras, e em cada parede revestida com tacos de madeira maciça, notávamos as velas de mentira. O espaço era pequeno, mas aconchegante; poltronas de couro - muitas com o encosto e os bancos rasgados - também muito confortáveis e enquanto eu procurava a melhor forma de me prender a atenção - dividida entre a procura pela melhor posição e o corpo escurecido da moça - podia ouvir a música de fundo, que soava lenta, mas presente, imponente.
E então a moça dançou. Girou, rodopiou; devagar e sensual, a moça levantou-se e fez moviméntos tépidos ao redor do objeto. Os braços esguios dançavam como outras partes do seu corpo suave - serpentes vivas projetando-se dos seus ombros. Era uma dança magnífica e eu estava inebriado pela intensidade e calor daqueles movimentos; pela forma como o corpo dela me chamava, me incitava, clamava pelos meus olhos e eu estava olhando, e estava sentindo, e estava ouvindo e tudo eu notava.Eu queria olhar para os lados e dizer às pessoas da platéia que aquela era a dança mais bela que eu jamais vira; queria demonstrar minha emoção e comentar com o companheiro do lado. "Já viu algo tão bonito?". Mas não havia platéia. Erámos eu e a moça, e ela dançava para mim.
Mas a música parou. A moça sentou-se. O ar se fez menos rarefeito, a umidade se desfez, as luzes se extingiram e o frio retornou, pálido. A silhueta negra se fez alva e a moça foi embora.