sexta-feira, 30 de maio de 2008

Convite


a inconstância das tuas mãos
- poros, peles, partes
resguarda tesouros inqualificáveis

em mim teus dedos se fazem mil
queimando à força das utopias

parece que foi ontem o teu tocar
que me tocou e eu me esqueci em mim

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Meninos na beira do lago






Descendo a getúlio
em direção ao capital
corroendo meus bolsos
investigando meus passos
meninos

Na carona dos anos
confrontando os lares
cheirando em vielas
luz de pedras

Corre, corta, cheira
se esgueira
chora, solta, esperneia

Comprando um quilo de paz
para o meu dia-a-dia
lá estão eles
Comprando um punhado de então
para o meu amanhã
lá estão eles
investigando meus passos

meninos
meninos na beira do lago
meninos
meninos na beira do rio



foto: uma tal de isteh ;)

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Diálogo do amor a um

eu: te amo
tu: me ama?

sábado, 17 de maio de 2008

Uma canção que fale da minha cria

De forma alguma eu vou cantar
no espaço de uma travessia
- entre o miramar ou na
baía do almirante -
a canção

eu não estou aqui para
satisfazer
- fazendo as vezes de leopardo -
uma saga eterna de grilhões
atordoados pelas er

não!

as...

decerto irei à poesia
na travessia da epitácio
- como quem navega ao longe -,
lançar, para além da vida,
estilhaços de poemas

para que porventura alguém um dia
- um negro abissal em moçambique
ou um corsário de plymouth,
talvez maria antonieta -
venha me dizer que fui poeta
e que cantei, menos
pela arritmia alheia,
que pelo medo no porvir,

uma canção que fale da minha cria.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

falta amor estes dias, mas há tanto em mim.

o amor, em mim, é como um canário.
que canta em solidão,

mas se cala acompanhado.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Adeus, Tâmara IV

Não só eu pego a tua mão, como a levo para meu peito. E faço dos teus dedos pequenas fagulhas de emoção a espocarem para dentro de você, no contato com a minha pele.




Tãmara precisa da explosão, das carícias sem amor e do céu bem visto sob os olhos fechados. Tãmara precisa do paraíso do prazer compartido com a dor.
Não se ate aos mares sem vida! Ergue essa âncora redonda, brilhante e dourada e navega pra o mar da descompostura. Esquece, Tâmara, que este veleiro, que estas toras de mansidão, jamais vão te levar ao desconhecido ou irão te elevar. Sob as tuas velas, tábuas podres, fracas e leves irão sucumbir. Para as ondas que você irá, só haverá letargia, embotamento, submissão e a inércia do porvir. Sempre, para você, Tâmara, é uma palavra que significa nunca.
Libere as comportas e deixe vazar a verdade por entre os olhos. E você verá, através do passado, da complacência, das tardes frescas, das manhãs sem vida, das noites sóbrias e das madrugadas sones, que para além da escassez de vida, há um paraíso de torpor, de ebriedade, de tempos e tempos de prazer. Há dor, também, e há lágrima.
Depois de tanto navegar pelas tormentas da indecisão, teu barco pode aportar no cais da segurança.
Mas Tâmara precisa da emoção, antes da estabilidade.

domingo, 4 de maio de 2008

Sobre a morte e outros domingos

Eu passava na frente de uma casa de velórios, cabisbaixo, como sempre fazia nesses dias. Via as pessoas chorando, lamentando a perda de um ente querido - pai, mãe, avó - e tentando se consolar - um ao outro. Eu me detive alguns instantes, próximo à arvore - que fazia sombra sobre meu rosto - e fiquei olhando aquela cena. Um pouco ao lado, numa sala mais separada, havia um caixão de mogno escuro, ladeado por flores brancas e amarelas, com velas e uma coroa de flores na cabeceira. Eu me aproximei e vi que não havia ninguém, exceto o corpo levemente perfumado por margaridas. Observei com atenção a fisionomia do morto. Ele tinha um rosto arredondado, um pouco obeso, com olhos pequenos. As sobrancelhas estavam preguiçosamente arqueadas, como de um espanto suave. Por baixo do nariz redondo e grande, um bigode proeminente zelava os lábios finos, colados. À primeira vista não se notava, mas quando eu pus a mão sobre a borda do esquife e olhei atentamente para sua face, eu notei que o morto estava triste e solitário. Não era a solidão dos mortos, da eternidade. Era a solidão dos vivos. A falta de calor, de mãos sobre as mãos, de abraços amigos, de beijos carinhosos e afagos de carência. Eu vi a falta de humanidade na morte do defunto. Dei meia volta e fui embora, relembrando a nostalgia dos meus tempos de rapaz, e pensei:
- Morrer num domingo deve ser mais triste que a própria morte.