domingo, 25 de fevereiro de 2018

As cartas para Ana 20/∞

Preciso ser cuidado, Ana. Preciso deixar que alguém trate as feridas que se abriram durante todo esse tempo, e que eu nunca deixei que sarassem. Existem cortes ainda abertos na minha mente, que escorrem sangue, que latejam, que pulsam com a mesma intensidade de sempre, desde o dia em que foram feitos. Na minha mente se acumulam anos de ideias e pensamentos tóxicos, de perguntas sem respostas e pior, ainda muitas respostas flutuando sem mais alguém para recebe-las. Não, Ana, eu não estou bem e preciso ser cuidado. Há tanta vida por viver apodrecida em mim, corroendo meu coração e minha sanidade. Tudo que deveria ser dito, feito, vivido, e que não foi; aqui, em mim, se diluindo em um veneno onipresente, corpo e alma, cujos efeitos começam a transparecer para o mundo. Me sinto dormente, estático. Num eterno loop, sem começo nem fim, sem meio também. Preciso ser cuidado, Ana. Mas, ao mesmo tempo que desejo esse cuidado, desejo também não incomodar. Não queria incomodar ninguém com minhas agruras, Ana. 
Acho que posso vomitar tudo isso para você, certo, Ana? Acho que sim. Há tanto que você se foi e, quer dizer, você tem outra vida sendo vivida - e provavelmente sendo gerada. Então, já passamos de adeus, estamos no limbo do esquecimento. Não. Passamos dele também. Estamos num além-algo. Mas isso é bom, eu acho.
Queria viver em Zihuatanejo, sem passado, nem futuro. Somente um ciclo diário de sobrevivência fisiológica, sem batalhas existenciais; felicidade é viver sem ontem nem amanhã, Ana. E aqui tem muito ainda. Prevejo muitos amanhãs cheios de ontem.