quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Ad infinitum

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O infinito é sempre. Eu tenho um monte de infinitos. Sempre esperar, sempre querer, sempre desejar, sempre sonhar; sempre tentar, sempre. Sem precisar eu espero, eu quero, desejo, sonho; sem pressa também.
E assim as coisas se andam, sem preocupação. Não bom, comumente; e se faz alguma coisa? Até se faz, mas sem pretensão.
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Rita Candice e a negra Norma
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(...) Mais conhecida por exalar uma virgindade santa através dos olhos amendoados, e talvez diria-se que fosse aquela espécie de Vesúvio divino, do que pelo ardor secreto que trazia escondido no ventre, Rita Candice teve a ousadia, ao admirar as mãos fortes e negras da escrava, de perder-se em meio a pensamentos despudorados, repletos de caminhos irracionais inimagináveis, outrora muitíssimo bem cuidados com óleos à base de cânfora e banhos aromáticos matinais. De modo que bastou a Norma perder de vista o caldo de cabeça de galo e pousar os olhos sobre o desejo reprimido de Rita para perceber, com satisfação de puro-sangue, que a moça escondia, sob as vestes cor de céu, uma intensidade amadora e uma vontade que seriam suficientes para satisfazer toda uma manada de zebus endiabrados pelo odor virginal da menina.
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Trecho de um início de conto, desses ad infinitum que sempre esperam para serem concluídos, e só Zeus sabe quando há de ser.
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segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Cem metros de pernas de mulher

Falar com você me faz bem - tem me feito bem - ultimamente. E eu sinto que pode continuar a me fazer bem, no decorrer do tempo.
A tua psicodelia me atrai, eu gosto dela. Acho que essa diferença sua - de você para mim - e minha - de mim para você - deva ser um ponto a nosso favor. Sabe aquela coisa dos opostos? Mas nem somos opostos, digamos que somos caminhos diferentes seguindo para o mesmo lado. Linhas retas que se cruzam no infinito - como diria um daqueles escritores gays do sul.
Talvez eu devesse parar de falar nisso.
Hoje eu vi uma coisa que me lembrou você - vejo sempre: Eu estava no ônibus, sentado próximo à frente, pensando em qualquer coisa sobre livros, talvez Gabriel García Marquez - é engraçado porque eu não costumo falar o nome dele sem o primeiro nome.... García Marquez, como tanta gente aí faz - indo de volta para casa, e nas imediações do Castelo Branco, uma mulher entrou pela porta da frente. Mas não era uma mulher normal, ela tinha cem metros de pernas! Era uma mulher extraordinariamente desformada, Lígia. Suas pernas beiravam o céu, mas o restante do seu corpo era imperfeitamente normal, com as mãos e braços no lugar, a cintura, o busto, pescoço e rosto; cabelos também. Ela subiu as escadas, dobrando as pernas como uma aranha bípede gigante, e foi a visão mais estranha que eu já tive na vida: as penas enormes e o corpo minúsculo dela, bem acima, e como ela me olhou de lá, com um olhar doce, angelical e triste, muito triste, como que se dissesse "eu não tenho culpa de ser assim, eu nasci com essas pernas e serei assim para sempre, por favor, pare de me olhar", e foi quando eu me senti triste por ela, e desviei os olhos para a rua, para não ver mais a mulher e suas pernas de cem metros. Cem metros de pernas de mulher, que me lembraram você e a sua desvairice esverdeada, fluindo em brilhos ofuscantes dos seus olhos, Lígia.

domingo, 9 de setembro de 2007

A leveza

A primeira vez que eu a vi - há 4 dias de se completar um ano - eu estava com uma cicatriz recém-formada próxima ao olho esquerdo e há muito não cortava os cabelos. Foi durante a manhã radiante de suas aulas na Escola de Estudos Técnico e Escolar Médio, na terça-feira de um setembro presente ainda. Eu acompanhava um amigo em algumas horas de ócio, durante o conserto de sua moto numa oficina próxima, e resolvemos gastar o intervalo - entre o "qual o problema" e o "não há conserto" - de 6 horas conhecendo o pátio da escola, o refeitório, a biblioteca, o campo e - minha mente se alegra - os cabelos avermelhados e os longos braços esguios dela.
Andava como elástico, com uma perna na frente e outra adiante, e tão leve era o passo dela que o vento pareceu se aquietar enquanto ela deslizou na minha frente. Ora, eu estava a meros dois metros, mas se até as vitrines do impossível são intransponíveis por não medirem mais de dois centímetros, como eu poderia me atrever a ultrapassar essa fronteira criada pelo acaso? Não. Ela estava lá com os olhos fixos à frente, e sequer me notou. Eu lembro de ter pensado - naquela manhã distante de setembro - na cor dos olhos dela: iguais ao mar de Tambaú num dia quente ensolarado - como hoje. Passou por mim deixando atrás de si um rastro de tristeza, como eram as costas dela, tristes. E a curva de suas omoplatas me trazendo a lembrança do que eu supus não poder presenciar jamais; os cotovelos virados para dentro, no ritmo do balançar das suas pernas. A textura do uniforme branco, sob as minhas mãos, e o perfume do seu pescoço.
Inebriado pela visão daquele anjo, eu me dirigi ao refeitório para constatar, com uma nostalgia colombiana, que ela estava lá. E foi quando ela sorriu pela primeira vez. No mesmo instante eu pensei: "este sorriso há de se eternizar na minha memória". Não, não foi como se eu tivesse pensado, mas como se eu tivesse sentido ela sorrir tão dentro de mim que era eu sorrindo, era eu apontando o céu e dizendo "que dia lindo", era eu me virando bruscamente só para dar de encontro com meus livros e pedir desculpas, e por uma instante de fração de segundo visualizar os meus olhos perplexos, mas não antes de se virar sem ouvir um atônito eu dizendo "você é linda".