sábado, 17 de outubro de 2009

No entanto, ela é deste mundo

Descobri há algum tempo, e redescobri ontem, uma poeta paraibana. Não sendo curioso, sendo João Pessoa o que é, a fração de uma parte minúscula da geografia, ela e Erick se fizeram um poema-música. Não me espantei, mas também não fiquei imune.




( )

Não cuspa as
costas
do meu silêncio:

É dormente a carapaça.

Cuspa a cara, a cara
mesmo, sem rosto
um cuspe de urtiga,
que eu abro, da língua
as glotes até lamber
fumaça. E mereço.

Ainda que boceje a boca seca
de Justiça
(e saudade)

Nunca me lembro de molhá-la.

Desidratei a sensibilidade



a gente usa a linguagem como quer, né clarrissa? maiakovski ta por aí... nos outros.



( )

Muco de Humanidade
A poesia
Esgarça esborra escorre
E não é líquida.

Não tem carne ou trigo
Rosto. Sobrenome. Aura. Piedade.
Não tem cor nem é negra.

Devora e desonra sem
fome ou verbo.

Não tem verso
Futuro
ou camada de valência.

Apátrida no espaço
Pedra no sapato
do Tempo.

Poesia é o lado impenetrável
De dentro
Oco e surdo
Terrivelmente surdo.

No entanto
É deste Mundo.




taí, gosto porque ela se mete. meta na linguagem, mermão.




( )

Não é de dor o soluço
da criança.

Antes de revolta.

É que cedo lamentamos a liberdade
natimorta.




- Escrever frustra porque reduz. Embora possamos dizer muito, até mais do que se pretendia e explanar e destrinchar e esmuiçar e criar e conceituar e ensinar, cada assertiva conduz a uma nova dúvida.
- É rocha, Clarrissa. A poesia é um não-dizer do carai. Ou é um sim-dizer eterno?
- O tempo não escrito, (...) a palavra não dita, o pensamento disperso e nebuloso… são infinitos. Não têm limites porque sujeitam-se à (re)criação constante. É obra viva, latente na memória, enquanto houver memória. São múltiplos porque não têm nome (...)




( )

Amo em verso porque sou pequena.
Se eu fosse grande
Iria a campo e faria a guerra e morreria
de amor.






dá pra tu?




Clarrissa Yemisi: http://miolodepote.wordpress.com

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Insônia bruta, meu desassossego

Baluarte é som e é arte, com o perdão do eco. Em parte, é urbano e estradeiro. Em parte é de agora, de ontem e de amanhã. É som, é claro, mas é mais que som. É bom, é a rima do tom, da cor, de alegria e dor. Tem a amizade no meio, como quem sabe que quando canta, bota pra torar. É um molho de músicas, se manifestando através de músicos. Músicos? É bem além: faz a frente com Erick D'Almeida, o peito mole, o cabra bom, menino malemolente. Sente com a mente e o coração, e é de onde saem as porradas de afeição. Mermão, Erick não canta a canção, ele vem junto com ela, guiando cada pedaço de harmonia com os dedos de manteiga da terra, pelos ouvidos indo até o ser da gente. Do lado, Pedro Paz, que na levada do nome, traz a experiência atrelada na boca: quando sopra, é como se, ao invés de som, soltasse um fumo de ardor, e todo mundo pensa: que bênção de canção! Amém. Fazem a cozinha e a sala de soar, três cabras a mais. Thiago e seu violão malicioso, e Adam metendo o pau nos couros, junto com Raoni etéreo pincelando os sinos de vaca e intervenções percussionares. Sem essas três peças-boas, não tinha Baluarte, canção e muito menos arte. Só que vez ou outra essa invenção se reinventa e a rapaziada entra na presepada; nego de baixo passa por cima e vai pra violão, e tem maluco se atrevendo a soprar em flauta ou tamborilar em cavaquin. No balanço do groove, a base se aguenta com fé. No afoxé, na salsa, no xote e no samba; em tudo o mais que o Baluarte faz. Tem uma batida segurante, completamente pra dar o gás nas melodias dos rapazes da frente. Baluarte é pedaço de arte nesse pedaço de terra, Paraíba. Ainda bem!

sentado no banco do coletivo
a vida passa
cenário muda
sai fumaça escura do cano
do caminhão
expõe fuligem na vida cinza
picha cidades, distritos
conurbação

a vida pára segundos, segundos
sinal vermelho não mais que 30 segundos
espero e vejo a lata de tinta verde
despenca cai o tempo inerte
vermelho, vermelho
verde se faz

a vida segue tensão
amarelada
em frente passa o prédio
da namorada
o asfalto negro tornar-se multicolor
desce do coletivo
ao encontro com o amor

talvez encontre o sabor na contramão
o contraponto do amor
o desencontro então
verde vermelho
oscila do amor que cai
no despespero amarelo que a vida vai

(semaforizado, baluarte)

Myspace Baluarte: http://www.myspace.com/espacobaluarte