sábado, 2 de janeiro de 2010

(...)


- Éramos muito bons juntos, mas eu sentia que não era mais a mesma coisa.

- Não entendi. Então você não está mais com ele?

- Terminamos. Há 2 meses.

- Como foi?

- Terminar um relacionamento é sempre ruim. Parece que aquela pessoa que era tão especial, agora nem existe. Sem foto, sem carta, sem papel de bala e aquelas outras coisas guardadas. E os cheiros, que eram como passaportes pro passado, agora parece que nem existem. Terminar é sempre ruim, mas a pior parte é quando você se dá conta de que a vida da outra pessoa vai ser bem melhor sem você. Que você não é mais importante. Que houve momentos de questionamento durante a relação, e que nesses momentos ela olhava para você e pensava o quanto precisava estar em outro lugar, longe (pior, quando ela fazia amor com você, parecia de mentira, porque ela só pensava em como o seu corpo não era mais necessário. Ela também fica triste, pois se lembra quando havia paixão por um pedaço de beijo). Quando você se dá conta que não é mais a melhor parte do dia, ou a primeira ligação da notícia boa. Não é mais a opção inquestionável para as conversas importantes. Não. Terminar com alguém é sempre ruim e fica pior quando a outra pessoa enfim encontra alguém e então você desaba percebendo que ela encontrou alguém melhor que você. Que, enquanto se beijam, ela pensa Era assim que ele devia ter feito, não daquele jeito.

- Acho que entendo. Soa como se fosse um copo descartável.

- É, isso. Reconheço que existem pós-relacionamentos muito bons e amigáveis. Na verdade eu mesma tenho ex-namorados amigos. Mas não é a mesma coisa. Parece uma nova categoria de relacão. Não é amigo, nem colega. Vai ser pra sempre ex.

- Isso. Você não tem uma amiga, tem uma ex. Ex qualquer coisa.

- Parece tão estúpido, né? Sabe, outro dia encontrei um ex. É, ex, não somos amigos mesmo. Ele estava com uma namorada. Foi um relacionamento super sério, muito importante pra mim, meu primeiro de muitas coisas, muitas experiências. E lá estava ele, com a namoradinha olhando para mim como se eu fosse uma leprosa ou algo do tipo. Disse "Oi, tudo bom?! Você engordou!" e ele me respondeu com um "não" seco, quase um eco do rosto dela. Nossa, me fez pensar como as coisas mudam, e como num passado recente ele me abraçava na cama e eu pensava que não existia nada melhor. Estranho.

- Talvez seja um mecanismo psico-biológico. Enterramos as boas lembranças bem fundo, e as substituímos por falsos pensamentos banais. Nada muito intenso ou que nos faça voltar ao passado. Assim fica fácil conversar sobre isso. Penso que o corpo age de maneira mais sábia que nós mesmos.

- O corpo?

- É. Eu me vejo como se fossem dois. "Eu" e meu "corpo", composto de coração, cérebro e alma. É como se eu fosse um irmão caçula inconsequente, e meu corpo, o irmão mais velho, que sabe exatamente o que fazer. Penso que quando alguma coisa dá errado, é porque eu não deixei o corpo agir. Porque ele saberia o que fazer, mas minha impulsividade atrapalhou a ação dele.

- É bem simplório. Soa muito idealista e utópico. Quase como uma religião. Você tem alguma?

- Não sei. Acho que pra ter uma religião primeiro eu precisaria conhecer todas. Acho que uma religião não deveria ser assim, escolhida. Penso que deveríamos viver como quiséssemos e, depois de algum tempo, a religião nos escolheria, de acordo com nosso modo de viver.

- Como assim? Você quer dizer, seríamos "escolhidos" então? A dedo?

- Não, não é isso. "Escolhidos" não é bem a palavra. Seguinte, eu tenho essa amiga, descobri que sua família pratica o budismo. Alguns com mais intensidade e regularidade, outros não. Conversamos um pouco, ela me contou as coisas que sabia sobre o budismo e eu achei interessantíssmo. Percebi que meu modo de enxergar a vida era muito parecido com o dela e, consequentemente, com o budismo. Ela me contou que o que mais a atraiu nisso tudo, foi a "lei da ação e reação" e como tudo que acontece com a gente é simplesmente um reflexo das nossas ações. Depois eu fiquei pensando e cheguei a essa conclusão, de que descobrimos que estamos praticando uma religião, só basta descobrir qual.

- Lei da ação e reação. Parece coisa de auto-ajuda. Quer dizer, nem tudo é assim. E as outras pessoas? E se você está em casa dormindo e uma bala perdida entra pela janela e te mata? Onde você tem culpa?

- Bom, você escolheu morar lá. Escolheu dormir naquela cama e naquela posição.

- Então quer dizer que a culpa vai ser sempre minha?

- Não é "culpa". Não acho que seja. É tudo simplesmente uma consequência dos seus atos. Sem essa imagem pejorativa de culpa.

- Parece fazer sentido. Mas prefiro acreditar que tudo é simplesmente acaso.

- É tão confortador quanto acreditar numa força superior. Quer dizer, o acaso é uma força superior, controlando nossas vidas, não é mesmo?

- É, você tem razão

(...)

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(...)

- E então, como vamos acabar essa conversa?

- Não sei, acho que ele aguentaria escrever até amanha de manhã.

- E nós? Aguentaríamos também?

- Não sei, mas teríamos que aguentar, acho.



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Ok, vou descansar um pouco, e depois continuamos