quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Conversando com Lúcio

você me lançou de volta;
eu, garrafa ao mar.
você me desenterrou à beira da praia
numa madrugada molhada
eu, garrafa ao mar
no limiar do esquecimento
apenas uma réstia de vidro aparente
você me pegou em seus dedos finos
anéis, bracelete, pulseira e búzio
eu, garrafa ao mar
pude sentir cada olhar seu
admirando cada mancha
arranhão, lasca, sujeira, rachadura
você me acariciou, afagou
me girou nas mãos
a mim, garrafa ao mar
e tentou enxergar por entre
o opaco de tantos anos
sob a maresia, o sol, as chuvas
areia, pedras e cascos de velhas jangadas
um opaco de tantos anos vindo
e indo por mares sem glória
eu, garrafa ao mar
depois de todo esse tempo à deriva
mas muito mais tempo sob a areia
estava entre as suas mãos
sentia cada toque, ainda que sutil
ainda que escasso, ainda que não-merecido
na tentativa inútil e vã
de enxergar o que havia dentro
mas eu, garrafa ao mar
era um vidro quase oco, quase vazio
quase calado, quase sem mensagem
e  à única luz da noite
num minúsculo papel amarelado e roto
gasto, esmorecido, desbotado
no limiar da  dissolução
se lia:
me lance de volta ao mar



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