sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Estoy jodido

assim vejo a cena:

uma mulher caminha lentamente pela praia. não sei quem ela é, ou o que faz, de onde veio e todas essas perguntas que não fazem diferença quando se tem um pedaço do seu corpo - mão, pescoço, quadril, coxas, pés - sobre o meu. um vestido balança ao vento - fraco, sem temperatura aparente. o passo é lento, mas decidido, fluente; musical se estivesse pisando em uma partitura. vejo sua cabeça para baixo, mas não muito. não olha para os pés, acho, mas para um pouco mais além. não sorri, e tampouco creio que chora. ainda está muito longe para perceber como são os olhos. os braços são muito finos, os dedos mais ainda, e movem-se quase que deixando reflexos para trás. segura um par de sandálias que parecem muito leves. tem cabelos que mais finos parecem quanto mais se alongam. para os lados, compreendendo curvas leves para cima, esfumaçando-se ao redor do seu pescoço. e, quando ela passa, sinto um aroma que parecia já vir de antes e eu compreendo que a senti, antes de vê-la. o cheiro se torna mais forte em cada um dos passos, ou duplicado por eles. não identifico prima facie, porém sei que já conheço. não consigo recordar em que tempo eu senti este cheiro, nem onde, ou por qual razão. "talvez", penso eu, "não seja um cheiro exatamente, mas uma vontade, como se eu estivesse há muito tempo esperando senti-lo e só agora o real se identifica com o imaginado". ela se aproxima e eu consigo perceber as nuances, os detalhes que antes eram um todo movendo-se em minha direção. os dedos são mais finos do que os braços, e muito mais delicados. é este tipo de dedos que pertencem a certas mãos que não tocam, mas que acariciam todos os objetos que seguram, ou mais que acariciam, simplesmente tocam através da sensação, não do toque propriamente dito. são dedos tão leves e suaves que não precisam tocar para serem sentidos. é a sensação do toque, antes do toque; ela está me olhando, e eu agora posso descrever o que vejo, sendo visto. olhos grandes. não. enormes. belos olhos enormes. não parecem maiores porque estão assustados, mas sim porque são grandes e, apesar de estarem mais que levemente contraídos - as sombracelhas têm uma mínuscula ruga de indagação entre elas - eu percebo que são castanhos. não, não são castanhos. têm uma cor aproximada do castanho. é mais claro e mais disperso do que o marrom, e não é tão claro quanto o mel. talvez não seja uma cor, e sim uma outra coisa. talvez não se defina os olhos dela pelas cores, mas pela sensualidade que transmitem. olhos sensuais. sensualidade por trás dos olhos, em verdade. porque, à frente, há uma espécie de melancolia, quase que inexata, inconstante, foi e veio várias vezes nestes segundos que nos olhamos. não está triste, percebi, só está... parou de me olhar. olho sua boca e seu nariz, meus olhos movem-se rápido entre eles. há uma curvatura sólida próximo à junção dos lábios, na lateral. o que será isso? pergunto-me quantos homens já a identificaram e talvez nenhum a tenha notado.
passou. o cheiro e ela. passaram. agora são as suas costas que tenho de descrever. há um decote no vestido, e eu vejo grande parte de suas costas. de baixo para cima, noto uma imprecisa mudança de tons na sua pele, como um bronze antigo mal definido. o movimento do seu caminhar se reflete em ecos por toda a sua coluna vertebral, num baixo relevo dinâmico. as suas costas dançam e as omoplatas são volumosas, os braços têm uma leve arqueadura para trás. omoplatas perfeitas, em movimentos laterais. imaginei vê-la deitada e, num raio de visão limitado, somente as suas costas. vejo sardas, dezenas, centenas delas, nos seus ombros magros. ela se vira. me olhou e eu a estou vendo me olhar, gosto disso. ela sorriu, creio que também gosta que eu a olhe. os cabelos esfumaçados cobriram-lhe o rosto e eu vejo o que imaginei: seus dedos não precisaram tocá-los para afastá-los dos olhos.

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