As cartas para Ana 18/∞
Andei vendo você por todas estas cidades, Ana. Tenho andado bastante, tenho visto bastante. Menos as cidades que você. Outro dia comprei um dogão na Sé, aqueles com purê - que você sempre achou tão normal e eu tão absurdo mas tão gostoso - e quando me virei, achei que você vinha entrando com uma dessas microgarrafas de suco. Me assustei, derrubei a maionese e quando fui me abaixar pra pegar o pote, derrubei os óculos que estavam pendurados na gola da minha camisa. Foi tudo um desastre, Ana. Me senti mais desastrado do que o normal. Foi a mesma sensação de desastre de quando estávamos caminhando juntos - mentira, claro, era eu sozinho, como sempre - em Skagway e pisei numa merda de cachorro. Você achou engraçado e reclamou do cheiro de bosta o dia inteiro, inclusive depois de eu lavar meu sapato no riacho - numa água fria e deliciosa.
Vejo sempre você. Não importa, mesmo, afinal nunca é você. Agora estou aqui numa biblioteca pública em Fort-de-France e escrevendo para você, que tanto gosta do calor. Você sabe que não me dou bem com essas temperaturas altas, fico rosado e molhado de suor.
Te mandei um postal. O mais brega que consegui achar, do jeito que você gosta. Tomara que você nunca receba, de novo. Sempre que mando um postal pra você me arrependo e me sinto ridículo porque você não é a única que vai ver. Sempre me senti assim, Ana. Você tão sociável, tão libriana com ascendente em aquário e eu tão quieto, sempre preferindo eu-e-você aos outros. Não posso reclamar, você entendia bastante quando eu simplesmente dizia ''tou a fim não, vai você''. E no começo eu achava perfeito, mas depois comecei a ficar preocupado e achar que, afinal das contas, você estava se sentindo mal por não ter alguém no mesmo ritmo. Ai garoto, para de teorizar, você ia dizer. Sempre me dizendo pra parar de pensar demais.
Ana, eu ainda penso demais, penso muito mais do que antes. E sempre chego à mesma conclusão. Estou pensando demais.
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