As partes de una muchacha uruguaya
Triste y loca, foi a primeira coisa... perdão, a segunda coisa que ela me disse. Che, soy triste y loca, no te acerqués. Eu tinha saído pra fumar um cigarro. Tateei meus bolsos todos, de cada camada de roupa - uma jaqueta de couro, uma blusa, calça jeans - e nada. Nenhum sinal do maço de American Spirit que eu vinha fumando feito um degenerado nos últimos dias. Entrei novamente pela porta do Ramón, o pub derrubado onde estávamos Oscar e eu, meu amigo chileno. Voltei à mesa, interrompi a conversa com uma amiga espanhola dele, que apareceu lá. Perguntei se havia visto os cigarros, disse que não. Olhei embaixo, ao redor. Perguntei a um casal ao meu lado se haviam visto um maço amarelo, disseram que não. Saí novamente, refazendo meus passos olhando para o chão cuidadosamente. Talvez eu tivesse deixado cair, sei lá. Lá fora, olhei a calçada, olhei detrás do tonel de óleo que servia de mesa; nada. Pus as mãos na cintura, franzi a testa, coçei a espinha que nascia próxima à nunca; nada. Me emburrei por ter perdido meio maço de cigarros e já tinha decidido ir embora quando escutei aquele sotaque clássico, melódico, cantado, detrás: ''Oye, tenéis fuego?''. Me virei e dei de cara com uma mulher nos seus vinte e poucos anos, baixa. Sardas, muitas sardas, milhares delas. Foi a primeira coisa que eu notei. Seu rosto angulado estava salpicado delas. As maçãs levemente coradas pelo frio, também a ponta do nariz pequeno. Os olhos tinham uma acentuação indígena, ligeiramente inclinados para dentro. Ficou esperando minha resposta. Calado, sem conseguir desviar os olhos, meti a mão no bolso da jaqueta e entreguei meu zippo, tão querido por mim. Comprado em Nápoles exatamente um ano antes. Engraçado como enquanto eu dirigia o isqueiro à mão dela esse pensamento me ocorreu. Um ano atrás eu estava em Nápoles, fazia tanto ou mais frio e eu tinha acabado de tropeçar no último degrau da stazione toledo, precisamente porque vinha tentando acender o cigarro. Tropecei, foi cigarro pra um lado, isqueiro pra o outro, alguém o chutou e nunca mais eu vi. Eu estava completamente bêbado, afinal. Fui andando em direção ao café Varriali, encontrar Oscar e os outros. No meio do caminho, uma loja Tabacchi/Lotto estava aberta. Entrei com a intenção de comprar um isqueiro barato e saí com o zippo que agora a uruguaia de olhos índios usava pra acender seu cigarro. Inspirou longamente, olhou para o céu, expirou a fumaça, pôs o cigarro novamente na boca e lembrou que não tinha agradecido e nem devolvido o isqueiro. Inspirou mais uma vez, me entregou o mechero e disse ''gracias'' rapidamente, balançando a cabeça e expirando olhando para o outro lado. Eu continuei calado, não entendia muito bem ainda que beleza era aquela e não tinha decidido se ela era tão bonita quanto eu achava que estava vendo. ''Me regalás uno?'' perguntei. Não disse nada, apenas me estendeu um maço de American Spirit amarelo. Olhei surpreso. Peguei um dos cigarros, acendi e continuei calado. ''Me roubou o cigarro, uruguaia safada'', pensava, enquanto tragava lentamente. Me virei e me aproximei dela. Ia dizer que tinha deixado o maço cair, que era meu, mas ela se virou, me olhou com um tom repreensivo - leve, admito, mas repreensivo - e disse aquelas segundas palavras. Che, soy triste y loca, no te acerqués. Sorri amarelo. Continuei olhando para ela, mas já não me olhava. Ela estava nas últimas tragadas enquanto eu pensava se devia perguntar ou não, se deixava ela sair com meu cigarro ou não. Tragou forte e, impaciente atirou a bituca longe, no meio da rua. Olhou pra mim, soltou a fumaça e disse ''quédate con esta mierda'' e entrou batendo forte a porta do Ramón.
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