domingo, 17 de abril de 2011

Fotografia I

Teve um momento, um instante claríssimo em que eu consegui vislumbrar alguma coisa. Você estava sentada, com o tronco um pouco virado para mim. O cotovelo apoiado na coxa cruzada por cima da outra; mão no queixo, a boca deixando entrever alguns dentes. Entre nós, alguém. E você olhava para algum ponto abaixo da linha do banco onde estávamos sentados. E não olhava. Digo assim paradoxalmente, porque os seus olhos é que estavam direcionados para lá, mas se notava perfeitamente que você não os focava em lugar algum no espaço à sua frente, e sim em algum ponto dentro da sua consciência. E parecia que esse olhar levava você completamente inerte para dentro deste lugar, interno. Mas o momento que eu quero descrever não é esse; é o seguinte. Que foi quando você saiu da consciência e veio para cá, olhando para o corpo que estava entre nós. Foi justo no espaço de tempo entre você sair de onde estava e ir para onde veio; como uma abertura nessa tal janela da alma, que são os olhos. Naquele instante em que você levantou o olhar, houve uma falha no tempo. E no espaço. E me atingiu em cheio, porque eu já estava olhando para você. Por um golpe de sorte, eu estava no lugar certo e na hora certa. Mas o que foi que eu vi? Até hoje não sei, foi como ver uma pintura abstrata, que me transmitiu uma sensação, não uma impressão. Minha única meia-explicação é que ali estava uma certeza, uma decisão sua; algo que você vinha pensando e de repente se deu conta; uma conclusão. Era uma certeza triste, imagino. Como se você tivesse percebido algo que não queria. Mas o quê? Não sei. E é angustiante porque nem mesmo você se lembra. Na verdade, você nem percebeu coisa alguma disso tudo.

Um comentário:

Anônimo disse...

percebi.