domingo, 28 de outubro de 2007

Quitéria

Sentou-se na cadeira de balanço de mogno centenário, e esperou pela morte em meio às ruínas de uma vida esquecida. Viu-se cercada por bonecas roídas pelas traças, e verteu lágrimas de desesperança ao sentir novamente os cheiros das boas-noites, que cresciam à medida que seus olhos inundavam os tacos de madeira, cobertos pelos restos das lembranças espalhadas displicentemente por toda a varanda. Pensou que morrer fosse uma dor, como das mordidas de dragões de outrora, enterrando-lhe os dentes da razão nos travesseiros à meia-noite, ao recordar os amores perdidos, as jogatinas vis, os despudores de adolescente. Recordou-o de tal forma que cercou-se como pôde com provas de coragem: abraçou as pernas, pendeu a cabeça para o lado esquerdo, cessou as batidas do coração pela metade e tragou o ar em volta pela última vez, numa tentativa irreal de cuspir pelas ventas os vermes entranhados nos pulmões.

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